sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Hoje acordei meio "O ex-mágico da Taberna Minhota"



     retirada do blog: http://www.oex-magico.blogspot.com.br/

Buenas pessoal...

Tenho que confessar que o ano de 2012 foi um tanto quanto estranho, ano de ausência do meu cantinho, claro que eu tive muitas realizações materiais, conquistas pessoais, mas e a magia, mas e a minha tão almejada epifania? Não sei o que houve e ponto. Hoje volto por aqui com o sentimento de Ex-mágico da Taberna Minhota, ultimamente tenho acordado ex-mágico... Enfim, não vou me estender neste fala que eu te escuto, pretendo ser breve, e com essa pretensão deixo vocês com o conto do Murilo Rubião, que descreve esse sentimento muito melhor do palavras ao vento... 

PS: Eu amo este conto!




O ex-mágico da Taberna Minhota

Murilo Rubião



Inclina, Senhor, o teu ouvido, e ouve-me;

 porque eu sou desvalido e pobre. 


(Salmos. LXXXV, I)




Hoje sou funcionário público e este não é o meu desconsolo maior.


Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento. Todo homem, ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se às vicissitudes, através de um processo lento e gradativo de dissabores.


Tal não aconteceu comigo. Fui atirado à vida sem pais, infância ou juventude.


Um dia dei com os meus cabelos ligeiramente grisalhos, no espelho da Taberna Minhota. A descoberta não me espantou e tampouco me surpreendi ao retirar do bolso o dono do restaurante. Ele sim, perplexo, me perguntou como podia ter feito aquilo.


O que poderia responder, nessa situação, uma pessoa que não encontrava a menor explicação para sua presença no mundo? Disse-lhe que estava cansado. Nascera cansado e entediado.


Sem meditar na resposta, ou fazer outras perguntas, ofereceu-me emprego e passei daquele momento em diante a divertir a freguesia da casa com os meus passes mágicos.


O homem, entretanto, não gostou da minha prática de oferecer aos espectadores almoços gratuitos, que eu extraía misteriosamente de dentro do paletó. Considerando não ser dos melhores negócios aumentar o número de fregueses sem o conseqüente acréscimo nos lucros, apresentou-me ao empresário do Circo-Parque Andaluz, que, posto a par das minhas habilidades, propôs contratar-me. Antes, porém, aconselhou-o que se prevenisse contra os meus truques, pois ninguém estranharia se me ocorresse a idéia de distribuir ingressos graciosos para os espetáculos.


Contrariando as previsões pessimistas do primeiro patrão, o meu comportamento foi exemplar. As minhas apresentações em público não só empolgaram multidões como deram fabulosos lucros aos donos da companhia.


A platéia, em geral, me recebia com frieza, talvez por não me exibir de casaca e cartola. Mas quando, sem querer, começava a extrair do chapéu coelhos, cobras, lagartos, os assistentes vibravam. Sobretudo no último número, em que eu fazia surgir, por entre os dedos, um jacaré. Em seguida, comprimindo o animal pelas extremidades, transformava-o numa sanfona. E encerrava o espetáculo tocando o Hino Nacional da Cochinchina. Os aplausos estrugiam de todos os lados, sob o meu olhar distante.


O gerente do circo, a me espreitar de longe, danava-se com a minha indiferença pelas palmas da assistência. Notadamente se elas partiam das criancinhas que me iam aplaudir nas matinês de domingo. Por que me emocionar, se não me causavam pena aqueles rostos inocentes, destinados a passar pelos sofrimentos que acompanham o amadurecimento do homem? Muito menos me ocorria odiá-las por terem tudo que ambicionei e não tive: um nascimento e um passado.


Com o crescimento da popularidade a minha vida tornou-se insuportável.


Às vezes, sentado em algum café, a olhar cismativamente o povo desfilando na calçada, arrancava do bolso pombos, gaivotas, maritacas. As pessoas que se encontravam nas imediações, julgando intencional o meu gesto, rompiam em estridentes gargalhadas. Eu olhava melancólico para o chão e resmungava contra o mundo e os pássaros.


Se, distraído, abria as mãos, delas escorregavam esquisitos objetos. A ponto de me surpreender, certa vez, puxando da manga da camisa uma figura, depois outra. Por fim, estava rodeado de figuras estranhas, sem saber que destino lhes dar.


Nada fazia. Olhava para os lados e implorava com os olhos por um socorro que não poderia vir de parte alguma.


Situação cruciante.


Quase sempre, ao tirar o lenço para assoar o nariz, provocava o assombro dos que estavam próximos, sacando um lençol do bolso. Se mexia na gola do paletó, logo aparecia um urubu. Em outras ocasiões, indo amarrar o cordão do sapato, das minhas calças deslizavam cobras. Mulheres e crianças gritavam. Vinham guardas, ajuntavam-se curiosos, um escândalo. Tinha de comparecer à delegacia e ouvir pacientemente da autoridade policial ser proibido soltar serpentes nas vias públicas.


Não protestava. Tímido e humilde mencionava a minha condição de mágico, reafirmando o propósito de não molestar ninguém.


Também, à noite, em meio a um sono tranqüilo, costumava acordar sobressaltado: era um pássaro ruidoso que batera as asas ao sair do meu ouvido.


Numa dessas vezes, irritado, disposto a nunca mais fazer mágicas, mutilei as mãos. Não adiantou. Ao primeiro movimento que fiz, elas reapareceram novas e perfeitas nas pontas dos tocos de braço. Acontecimento de desesperar qualquer pessoa, principalmente um mágico enfastiado do ofício.


Urgia encontrar solução para o meu desespero. Pensando bem, concluí que somente a morte poria termo ao meu desconsolo.


Firme no propósito, tirei dos bolsos uma dúzia de leões e, cruzando os braços, aguardei o momento em que seria devorado por eles. Nenhum mal me fizeram. Rodearam-me, farejaram minhas roupas, olharam a paisagem, e se foram.



Na manhã seguinte regressaram e se puseram, acintosos, diante de mim.


— O que desejam, estúpidos animais?! — gritei, indignado.


Sacudiram com tristeza as jubas e imploraram-me que os fizesse desaparecer:


— Este mundo é tremendamente tedioso — concluíram.


Não consegui refrear a raiva. Matei-os todos e me pus a devorá-los. Esperava morrer, vítima de fatal indigestão.


Sofrimento dos sofrimentos! Tive imensa dor de barriga e continuei a viver.


O fracasso da tentativa multiplicou minha frustração. Afastei-me da zona urbana e busquei a serra. Ao alcançar seu ponto mais alto, que dominava escuro abismo, abandonei o corpo ao espaço.


Senti apenas uma leve sensação da vizinhança da morte: logo me vi amparado por um pára-quedas. Com dificuldade, machucando-me nas pedras, sujo e estropiado, consegui regressar à cidade, onde a minha primeira providência foi adquirir uma pistola.


Em casa, estendido na cama, levei a arma ao ouvido. Puxei o gatilho, à espera do estampido, a dor da bala penetrando na minha cabeça.


Não veio o disparo nem a morte: a máuser se transformara num lápis.


Rolei até o chão, soluçando. Eu, que podia criar outros seres, não encontrava meios de libertar-me da existência.


Uma frase que escutara por acaso, na rua, trouxe-me nova esperança de romper em definitivo com a vida. Ouvira de um homem triste que ser funcionário público era suicidar-se aos poucos.


Não me encontrava em condições de determinar qual a forma de suicídio que melhor me convinha: se lenta ou rápida. Por isso empreguei-me numa Secretaria de Estado.


1930, ano amargo. Foi mais longo que os posteriores à primeira manifestação que tive da minha existência, ante o espelho da Taberna Minhota.


Não morri, conforme esperava. Maiores foram as minhas aflições, maior o meu desconsolo.

Quando era mágico, pouco lidava com os homens - o palco me distanciava deles. Agora, obrigado a constante contato com meus semelhantes, necessitava compreendê-los, disfarçar a náusea que me causavam.


O pior é que, sendo diminuto meu serviço, via -me na contingência de permanecer à toa horas a fio. E o ócio levou-me à revolta contra a falta de um passado. Por que somente eu, entre todos os que viviam sob os meus olhos, não tinha alguma coisa para recordar? Os meus dias flutuavam confusos, mesclados com pobres recordações, pequeno saldo de três anos de vida.



O amor que me veio por uma funcionária, vizinha de mesa de trabalho, distraiu-me um pouco das minhas inquietações.


Distração momentânea. Cedo retornou o desassossego, debatia-me em incertezas. Como me declarar à minha colega? Se nunca fizera uma declaração de amor e não tivera sequer uma experiência sentimental!


1931 entrou triste, com ameaças de demissões coletivas na Secretaria e a recusa da datilógrafa em me aceitar. Ante o risco de ser demitido, procurei acautelar meus interesses. (Não me importava o emprego. Somente temia ficar longe da mulher que me rejeitara, mas cuja presença me era agora indispensável.)


Fui ao chefe da seção e lhe declarei que não podia ser dispensado, pois, tendo dez anos de casa, adquirira estabilidade no cargo.


Fitou-me por algum tempo em silêncio. Depois, fechando a cara, disse que estava atônito com meu cinismo. Jamais poderia esperar de alguém, com um ano de trabalho, ter a ousadia de afirmar que tinha dez.


Para lhe provar não ser leviana a minha atitude, procurei nos bolsos os documentos que comprovavam a lisura do meu procedimento. Estupefato, deles retirei apenas um papel amarrotado — fragmento de um poema inspirado nos seios da datilógrafa.


Revolvi, ansioso, todos os bolsos e nada encontrei.


Tive que confessar minha derrota. Confiara demais na faculdade de fazer mágicas e ela fora anulada pela burocracia.


Hoje, sem os antigos e miraculosos dons de mago, não consigo abandonar a pior das ocupações humanas. Falta-me o amor da companheira de trabalho, a presença de amigos, o que me obriga a andar por lugares solitários. Sou visto muitas vezes procurando retirar com os dedos, do interior da roupa, qualquer coisa que ninguém enxerga, por mais que atente a vista.


Pensam que estou louco, principalmente quando atiro ao ar essas pequeninas coisas.


Tenho a impressão de que é uma andorinha a se desvencilhar das minhas mãos. Suspiro alto e fundo.


Não me conforta a ilusão. Serve somente para aumentar o arrependimento de não ter criado todo um mundo mágico.


Por instantes, imagino como seria maravilhoso arrancar do corpo lenços vermelhos, azuis, brancos, verdes. Encher a noite com fogos de artifício. Erguer o rosto para o céu e deixar que pelos meus lábios saísse o arco-íris. Um arco-íris que cobrisse a Terra de um extremo a outro. E os aplausos dos homens de cabelos brancos, das meigas criancinhas.




sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Barbara


Como todo carnaval tem seu fim, eis me aqui para postar um texto novo no meu cantinho.

Barbara, escrito por Murilo Rubião, que foi escritor contemporâneo mineiro fantástico, em todos os sentidos, figurados ou não, é um conto sobre uma personagem com mórbidas manias e desejos insaciáveis.

Eu adoro este conto, por isso compartilho com vocês por aqui.

Deleitem-se.

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Barbara


Murilo Rubião


O homem que se extraviar do caminho da doutrina, terá por morada a assembléia dos gigantes. (Provérbios, XXI; 16.)


Bárbara gostava somente de pedir. Pedia e engordava.

Por mais absurdo que pareça, encontrava-me sempre disposto a lhe satisfazer os caprichos. Em troca de tão constante dedicação, dela recebi frouxa ternura e pedidos que se renovavam continuamente. Não os retive todos na memória, preocupado em acompanhar o crescimento do seu corpo, se avolumando à medida que se ampliava sua ambição. Se ao menos ela desviasse para mim parte do carinho dispensado às coisas que eu lhe dava, ou não engordasse tanto, pouco me teriam importado os sacrifícios que fiz para lhe contentar a mórbida mania.

Quase da mesma idade, fomos companheiros inseparáveis na meninice, namorados, noivos e, um dia, nos casamos. Ou melhor, agora posso confessar que não passamos de simples companheiros.

Enquanto me perdurou a natural inconsequência da infância, não sofri com as suas esquisitices. Bárbara era menina franzina e não fazia mal que adquirisse formas mais amplas. Assim pensando, muito tombo levei, subindo a árvores, onde os olhos ávidos da minha companheira descobriam frutas sem sabor ou ninhos de passarinho. Apanhei também algumas surras de meninos aos quais era obrigado agredir unicamente para realizar um desejo de Bárbara. E se retornava com o rosto ferido, maior se lhe tornava o contentamento. Segurava-me a cabeça entre as mãos e sentia-se feliz em acariciar-me a face intumescida, como se as equimoses fossem um presente que eu lhe tivesse dado.

Às vezes relutava em aquiescer às suas exigências, vendo-a engordar incessantemente. Entretanto, não durava muito a minha indecisão. Vencia-me a insistência do seu olhar, que trasformava os mais insignificantes pedidos numa ordem formal. (Que ternura lhe vinha aos olhos, que ar convincente o dela ao me fazer tão extravagantes solicitações!)

Houve tempo - sim, houve - em que me fiz duro e ameacei abandoná-la ao primeiro pedido que recebesse.

Até certo ponto, minha advertência produziu o efeito desejado. Bárbara se refugiou num mutismo agressivo e se recusava a comer ou conversar comigo. Fugia à minha presença, escondendo-se no quintal e contaminava o ambiente com uma tristeza que me angustiava. Definhava-lhe o corpo, enquanto lhe crescia assustadoramente o ventre.

Desconfiado de que a ausência de pedidos em minha mulher poderia favorecer uma nova espécie de fenômeno, apavorei-me. O médico me tranquilizou. Aquela barriga imensa prenunciava apenas um filho.

Ingênuas esperanças fizeram-me acreditar que o nascimento da criança eliminasse de vez as estranhas manias de Bárbara. E suspeitando que a sua magreza e palidez fossem prenúncio de grave moléstia, tive medo que, adoecendo, lhe morresse o filho no ventre. Antes que tal acontecesse, lhe implorei que pedisse algo. Pediu o oceano.

Não fiz nenhuma objeção e embarquei no mesmo dia, iniciando longa viagem ao litoral. Mas, frente ao mar, atemorizei-me com o seu tamanho. Tive receio de que a minha esposa viesse a engordar em proporção ao pedido, e lhe trouxe somente uma pequena garrafa contendo água do oceano.

No regresso, quis desculpar meu procedimento, porém ela não me prestou atenção. Sofregamente, tomou-me o vidro das mãos e ficou a olhar, maravilhada, o líquido que ele continha. Não mais o largou. Dormia com a garrafinha entre os braços e, quando acordada, colocava-o contra a luz, provava um pouco da água. Entrementes, engordava.

Momentaneamente despreocupei-me da exagerada gordura de Bárbara. As minhas apreensões voltavam-se agora para o seu ventre a dilatar-se de forma assustadora. A tal extremo se lhe dilatou que, apesar da compacta massa de banha que lhe cobria o corpo, ela ficava escondida por trás de colossal barriga. Receoso de que dali saísse um gigante, imaginava como seria terrível viver ao lado de uma mulher gordíssima e um filho monstruoso, que poderia ainda herdar da mãe a obsessão de pedir as coisas.

Para meu desapontamento, nasceu um ser raquítico e feio, pesando um quilo.

Desde os primeiros instantes, Bárbara o repeliu. Não por ser miúdo e disforme, mas apenas por não o ter encomendado. A insensibilidade da mãe, indiferente ao pranto e à fome do menino, obrigou-me a criá-lo no colo. Enquanto ele chorava por alimento, ela se negava a entregar-lhe os seios volumosos, e cheios de leite.

Quando Bárbara se cansou da água do mar, pediu-me um baobá, plantado no terreno ao lado do nosso. De madrugada, após certificar-me de que o garoto dormia tranquilamente, pulei o muro divisório com o quintal do vizinho e arranquei um galho da árvore. Ao regressar a casa, não esperei que amanhecesse par entregar o presente à minha mulher. Acordei-a, chamando baixinho pelo seu nome. Abriu os olhos, sorridente, adivinhando o motivo por que fora acordada:

- Onde está?

- Aqui. E lhe exibi a mão, que trazia oculta nas costas.

- Idiota! Gritou, cuspindo no meu rosto. - Não lhe pedi um galho - E virou para o canto, sem me dar tempo de explicar que o baobá era demasiado frondoso, medindo cerca de dez metros de altura.

Dias depois, como o dono do imóvel recusava-se vender a árvore separadamente, tive que adquirir toda a propriedade por um preço exorbitante.

Fechado o negócio, contratei o serviço de alguns homens que, munidos de picaretas e de um guindaste, arrancaram o baobá do solo e o estenderam no chão.

Feliz e saltitante, lembrando uma colegial, Bárbara passava as horas passeando sobre o grosso tronco. Nele também desenhava figuras, escrevia nomes. Encontrei o meu debaixo de um coração, o que muito me comoveu. Este foi, no entanto, o único gesto de carinho que dela recebi. Alheia à gratidão com que eu recebera a sua lembrança, assistiu ao murchar das folhas e, ao ver seco o baobá, desinteressou-se dele.

Estava terrivelmente gorda. Tentei afastá-la da obsessão, levando-a ao cinema, aos campos de futebol. (O menino tinha que ser carregado nos braços, pois anos após o seu nascimento continuava do mesmo tamanho, sem crescer uma polegada.) A primeira idéia que lhe ocorria, nessas ocasiões, era pedir a máquina de projeção ou a bola, com a qual se entretinham os jogadores. Fazia-me interromper, sob o protesto dos assistentes, a sessão ou a partida, a fim de lhe satisfazer a vontade.

Muito tarde verifiquei a inutilidade dos meus esforços para modificar o comportamento de Bárbara. Jamais compreenderia o meu amor e engordaria sempre.

Deixei que agisse como bem entendesse e aguardei resignadamente novos pedidos. Seriam os últimos. Já gastara uma fortuna com as suas excentricidades.

Afetuosamente, chegou-se para mim, uma tarde, e me alisou os cabelos.

Apanhado de surpresa, não atinei de imediato com o motivo do seu procedimento. Ela mesma se encarregou de mostrar a razão:

Seria tão feliz, se possuísse um navio!

- Mas ficaremos pobres, querida. Não teremos com que comprar alimentos e o garoto morrerá de fome.

- Não importa o garoto, teremos um navio, que é a coisa mais bonita do mundo.

Irritado, não pude achar graça nas suas palavras. Como poderia saber da beleza de um barco, se nunca tinha visto um e se conhecia o mar somente através de uma garrafa?!

Contive a raiva e novamente embarquei para o litoral. Dentre os transatlânticos ancorados no porto, escolhi o maior. Mandei que o desmontassem e o fiz transportar à nossa cidade.

Voltava desolado. No último carro de uma das numerosas composições que conduziam partes do navio, meu filho olhava-me inquieto, procurando compreender a razão de tantos e inúteis apitos de trem.

Bárbara, avisada por telegrama, esperava-nos na gare da estação. Recebeu-nos alegremente e até dirigiu um gracejo ao pequeno.

Numa área extensa, formada por vários lotes, Bárbara acompanhou os menores detalhes da montagem da nave. Eu permaneci sentado no chão, aborrecido e triste. Ora olhava o menino, que talvez nunca chegasse a caminhar com as suas perninhas, ora o corpo de minha mulher que, de tão gordo, vários homens, dando as mãos, uns aos outros, não conseguiriam abraçá-lo.

Montado o barco, ela se transferiu para lá e não mais desceu à terra. Passava os dias e as noites no convés, inteiramente abstraída de tudo que não se relacionasse com a nau.

O dinheiro escasso, desde a compra do navio, logo se esgotou. Veio a fome, o guri esperneava, rolava na relva, enchia a boca de terra. Já não me tocava tanto o choro de meu filho. Trazia os olhos dirigidos para minha esposa, esperando que emagrecesse à falta de alimentação.

Não emagreceu. Pelo contrário, adquiriu mais algumas dezenas de quilos. A sua excessiva obesidade não lhe permitia entrar nos beliches e os seus passeios se limitavam ao tombadilho, onde se locomovia com dificuldade.

Eu ficava junto ao menino e, se conseguia burlar a vigilância de minha mulher, roubava pedaços de madeira ou ferro do transatlântico e trocava-os por alimento.

Vi Bárbara, uma noite, olhando fixamente o céu. Quando descobri que dirigia os olhos para a lua, larguei o garoto no chão e subi depressa até o lugar em que ela se encontrava. Procurei, com os melhores argumentos, desviar-lhe a atenção. Em seguida, percebendo a inutilidade das minhas palavras, tentei puxá-la pelos braços. Também não adiantou. O seu corpo era pesado demais para que eu conseguisse arrastá-lo.

Desorientado, sem saber como proceder, encostei-me à amurada. Não lhe vira antes tão grave o rosto, tão fixo o olhar. Aquele seria o derradeiro pedido. Esperei que o fizesse. Ninguém mais a conteria.

Mas, ao cabo de alguns minutos, respirei aliviado. Não pediu a lua, porém uma minúscula estrela, quase invisível a seu lado. Fui buscá-la.

Conto extraído do livro “O pirotécnico Zacarias”, de Murilo Rubião, 1974. Editora Ática.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

"Carnaval, carnaval, carnaval...


... eu fico triste quando chega o carnaval."


Pois é, nunca fui de oba oba no carnaval - certamente nunca serei - quando esta data festiva aproximava-se, em anos anteriores, eu cantarolava o verso acima com aquele ar de melancolia.

Tá bom, tenho que confessar, acho que por força do hábito, que este ano não foi diferente, eu o cantarolei novamente, firme e forte.

O fato é que neste carnaval quero deixar a melancolia de lado e postar aqui no meu cantinho um sambinha muito gostoso de se ouvir do Chico Buarque, com Quarteto em Cy cantando. É lindo!

Bora lá aproveitar o carnaval minha gente, afinal de contas
"Se todo mundo sambasse seria tão fácil viver":





Um beijo de Um ser sendo.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Sushi...

... Delícia de ver e ouvir.

Com direção de Leandra Leal:






E este foi mais um momendo epifânico.


Beijo de Um ser sendo.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Voltei


Pois é pessoal, depois de longos dias com direito a natal, ano novo, inferno astral e aniversário, eis que retorno ao meu cantinho.

A verdade é que fui atacada por uma preguiça que ocasionou um período sem criatividade, sem epifanias, fui acometida por uma catarse existencial negativa, enfim, zica ao cubo sim senhores!

O fato é que começo de ano é sempre um perrengue para mim, e as reflexões sobre a rotina pontual do ano acaba com este ser sendo que vos fala.

Dadas as devidas satisfações sobre meu "desaparecimento" por aqui e para começar de verdade 2012, abrirei esta primeira postagem do ano com uma lista epifânica atualizada, ou seja, o que tem me feito ser ultimamente, apesar de todos os pesares:


1 - Pra Sonhar de Marcelo Jeneci

A música é linda, mas além disso esse clipe feito por um casal em viagem traz imagens maravilhosas, é um deleite, sem dúvida nenhuma:






2 - Trabalho em Redes Sociais

Além de ser muito bacana dá uma graninha extra que sempre é bem vinda.



3 - The Walking Dead, The Vampire Diaries, Alcatraz etc.

Séries, não resisto a elas.



4 - Redes Sociais

Meu fraco, ou não.


5 - Velha e louca de Mallu Magalhães

"Nem vem tirar meu riso frouxo com algum conselho que hoje eu passei batom vermelho"




6 - Festinhas em casa

Reunião com pessoas queridas sendo sempre uma eterna epifania.



7 - Redescobrindo Paulo Leminski

"morrer de vez em quando
é a única coisa que me acalma"


8 - Tulipa Ruiz

Já havia a descoberto, mas ultimamente suas canções tem me caido como uma luva em meus devaneios...





9 - Blogs, blogs, blogs...

Fico impressionada com tanta gente boa escrevendo na blogosfera. Simplesmente adoro isso aqui.


10 - Aprender a cozinhar

Olha, tá difícil, tá puxado, mas em cada receita que faço e acerto é bom demais dá conta. Dificilmente chegarei no
status da vó Matilde, mas estamos aí na luta.



Por enquanto é isso, o negócio é mantê-la sempre renovada.


Vocês estão convidados a fazerem suas listinhas epifânicas. Vem gente. Lista aí!


Abraços de Um ser sendo.