quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Circuladô de Fulô (Haroldo de Campos/ Caetano Veloso)


Dia desses coloquei um CD de músicas diversas para ouvir no carro e, bem baixinho, surgiu uma música do Caetano. Logo percebi que, apesar de nunca ter ouvido a canção, eu a conhecia.

Pesquisando no youtube para ouvi-la novamente, acabei descobrindo que a música é uma versão/ homenagem do Caetano para o poeta concretista Haroldo de Campos. Enfim, lembrei de onde conhecia aqueles versos, mesmo depois de tanto tempo sem ler a poesia.

Em agradecimento ao descobrimento da música e ao reencontro com a poesia de Haroldo, decidi dividir aqui no meu cantinho esse momento epifânico com vocês:

Circuladô de Fulô - Haroldo de Campos

circuladô de fulô ao deus ao demodará que deus te guie porque eu não posso guiá eviva quem já me deu circuladô de fulô e ainda quem falta me dá soando como um shamisen e feito apenas com um arame tenso um cabo e uma lata velha num fim de festafeira no pino do sol a pino mas para outros não existia aquela música não podia porque não podia popular se não afina não tintina não tarantina e no entanto puxada na tripa da miséria na tripa tensa da mais megera miséria física e doendo como um prego na palma da mão um ferrugem prego cego na palma espalma da mão coração exposto como um nervo tenso retenso um renegro prego cego durando na palma polpa da mão ao sol enquanto vendem por magros cruzeiros aquelas cuias onde a boa forma é magreza fina da matéria mofina forma de fome o barro malcozido no choco do desgosto até que os outros vomitem os seus pratos plásticos de bordados rebordos estilo império para a megera miséria pois isto é popular para os patronos do povo mas o povo cria mas o povo engenha mas o povo cavila o povo é o inventalínguas na malícia da maestria no matreiro da maravilha no visgo do improviso tenteando a travessia azeitava o eixo do sol pois não tinha serventia metáfora pira ou quase o povo é o melhor artífice no seu martelo galopado no crivo do impossível no vivo do inviável no crisol do incrível do seu galope martelado e azeite e eixo do sol mas aquele fio aquele fio aquele gumefio azucrinado dentedoente como um fio demente plangendo seu viúvo desacorde num ruivo brasa de uivo esfaima circulado de fulo circulado de fulôôô porque eu não posso guiá veja este livro material de consumo este aodeus aedomodarálivro que eu arrumo e desarrumo que eu uno e desuno vagagem de vagamundo na virada do mundo que deus que demo te guie então porque eu não posso não ouso não pouso não troço não toco não troco senão nos meus miúdos nos meus réis nos meus anéis nos meus dez nos meus menos nos meus nadas nas minhas penas nas antenas nas galenas nessas ninhas mais pequenas chamadas de ninharias com veremos verbenas acúcares açucenas ou circunstâncias somenas tudo isso eu sei não conta tudo isso desaponta não sei mas ouça como canta louve como conta prove como dança e não peça que eu te guie não peça despeça que eu te guie desguie que eu te peça promessa que eu te fie me deixe me esqueça me largue me desarmargue que no fim eu acerto que no fim eu reverto que no fim eu conserto e para o fim me reservo e se verá que estou certo e se verá que tem jeito e se verá que está feito que pelo torto fiz direito que quem faz cento se não guio não lamento pois o mestre que me ensinou já não dá ensinamento de miramundo na miragem do segundo que pelo avesso fui dextro sendo avesso pelo sestro não guio porque não guio porque não posso guiá e não me peça memente mas more no meu momento desmande meu mandamento e não fie desafie e não confie desfie que pelo sim pelo não para mim prefiro o não no senão do sim ponha o não no im de mim ponha o não o não será tua demão

Circuladô de Fulô - Caetano Veloso:




sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Dona Maricotinha

A Dona Maricotinha é beata fervorosa, conciliadora, rica.

Tudo ela sabe.

Dona Maricotinha vai pro céu porque não bebe, não fuma, não fala mal dos outros.

Dona da razão ela é.

Mas Dona Maricotinha tem olhos que perfuram os pecadores.

Olhos que falam, que julgam.

Pobres pecadores.

Eles bebem, fumam, falam mal dos outros, não vão para o céu.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Sobre cultura de massa e indústria da cultura (reflexões)

Recentemente fiz a leitura do texto “A cultura de massa no banco dos réus” do livro “Apocalípticos e Integrados” de Humberto Eco. Nele foram documentadas as acusações e defesas sobre cultura de massa, e no contexto histórico em que elas foram descritas a sociedade era, certamente, outra. Portanto, ressaltam-se, nos dias de hoje, negativamente, as acusações contra todo produto advindo da cultura para as massas.

O fato de atualmente a cultura feita para as massas estar mais evidente é decorrente do grande crescimento da indústria cultural, que nas últimas décadas tem dominado mais do que nunca as massas. Tanto que se torna difícil saber quem são e quem não são produtos dela. A dificuldade dá-se por haver muitas “coisas” que parece ser cultura sendo industrializadas, vendidas, e com isso aquele sentimento de originalidade torna-se cada vez mais distante da realidade atual, parecendo ser tudo mimese massificada.

Tudo tem um lado comercial, logicamente que quem produz cultura fora dessa indústria quer lucrar com sua arte também, a diferença está no fazer pensar do próximo, pois quem se dispõe a fazer e produzir cultura produtiva para o pensar, mesmo envolvendo lucros, pensa principalmente no indivíduo e em como ele pode refletir melhor sobre o espaço em que está inserido, para com isso propor melhorias para ele e para todos os membros da sociedade.

Mas no que tange cultura industrial, há produtos dela sendo fabricados e vendidos para um público que eles acreditam ser homogêneo, e se eles acreditam nisso, o próximo passo é fazer com que o indivíduo torne-se de fato homogêneo. Sendo assim, esse público passa a acreditar, também, que ser igual ao próximo é ideal, é cultura, é sociedade, eis que surgem pessoas transformadas em massa.

Para se criar uma massa consumista e consolidada foi preciso que a publicidade ficasse cada vez mais forte e atrativa, e ficou, pois com o seu crescimento a indústria da cultura pode vislumbrar grande ascensão nos lucros dos produtos de cultura industrializados e divulgados. Segundo a escritora Eclea Bosi, a cultura de massa realmente não passa de “imposições ditadas pelos meios de comunicação”, ela é forte aliada da indústria da cultura, e ao mesmo tempo em que se encontra cultura que não é feita para massas e sim para indivíduos, encontra-se, também, em maior quantidade, produtos fabricados para as massas.

É só ligar a televisão, em qualquer canal aberto, para ver a enxurrada de propagandas vendendo cultura fabricada para uma massa, a mesma coisa acontece ao se folhear uma revista, pois ao mesmo tempo em que se encontra divulgação de uma determinada peça, encontra-se também, como exemplo, notícia a respeito do cabelo da moda da atriz que está estrelando a peça.

Outro exemplo clássico são as canções, pois as grandes gravadoras levam até as rádios populares seus artistas com seus produtos, e sendo assim, elas tocam para um ouvinte que já foi/ está acostumado com o tipo de canção que ela vincula. Portanto, condiciona-se nessa massa uma sensibilidade passageira de que o que está no mercado fazendo sucesso é bom e de qualidade. Juntamente com as canções, tem os artistas que a indústria “lapida”, nesse percurso eles adquirem fama e junto com as canções a indústria inserem no mercado as roupas que eles usam, tornando-as tendência e moda, ou seja, consumo. Por fim, a massa terá que copiar esse produto, usar essa roupa, ouvir essa música para ser aceita por outros integrantes dessa mesma massa, ou seja, uma coisa puxa a outra na indústria da cultura.

Mas no que se refere a rádio e a vários segmentos da cultura, com certeza há estações, editoras entre outros meios que ainda fogem disso, produzindo canções, livros, peças etc, que conseguem escapar do modismo pontual da época, mas certamente esses meios, que vai contra a maré, não têm a mesma audiência daqueles que só produzem para o que é considerado certo pela indústria da cultura de massa.

Prever um fim para a indústria da cultura é impossível, ainda mais dentro de um contexto capitalista selvagem inserido na sociedade atual, mas é preciso ressaltar que nos tempos atuais, deve-se dar o devido lugar e valor para o crescimento da internet e tecnologia. Hoje a maioria das pessoas está conectada pela rede, tanto os que consomem quanto os que não consomem produtos da cultura industrializada, e com isso/ apesar disso, os artistas, escritores etc, que não conseguem encontrar um caminho de divulgação e apoio ao seu trabalho, todos que de alguma maneira estão fora e são excluídos dessa indústria da cultura, encontraram na internet a possibilidade de concretizar o objetivo de divulgar seu trabalho, sua arte e seu valor.

Os blogs, as redes sociais, o youtube, enfim, todas essas ferramentas têm ajudado quem está na luta e contra a maré da indústria da cultura a encontrar seu lugar, e o mais importante, seu público sedento por arte nova e inteligente, que faz pensar.

Esses são apenas alguns exemplos, citado de maneira superficial, de como uma indústria massificada age com seus produtos e marcas. Definir cultura, em seu sentido amplo, é bastante complexo, pois há inúmeros conceitos e definições, e tratar de conceituá-la neste artigo torna-se algo incabível, mas, de uma forma geral, citando a autora Denise Macedo Ziliotto: “A cultura de determinada civilização vem a ser, portanto, o conjunto de seus valores e conhecimentos perenes”.

Enfim, conhecimento é algo que uma sociedade, com sua cultura, deve preservar, embora existam dificuldades no caminho, pelo fato dos inúmeros produtos que a indústria da cultura insiste em fazer a sociedade engolir, é preciso ter e preservar a consciência de que o individualismo do pensamento, para os quereres culturais, como vestir a roupa que quiser, saber ouvir canções e músicas, opinar a respeito de uma leitura etc, são importantes.

O saber jamais deve ser manipulado.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Momento Epifânico: "O Palhaço"


Neste último feriado (2/11) fui assistir ao filme “O Palhaço”, dirigido e também protagonizado por Selton Mello, e devo dizer que estou em estado de êxtase até agora, tanto que não poderia deixar esse fato passar em branco aqui no meu cantinho epifânico, o filme é maravilhoso na sua simplicidade, fotografia, os figurinos são lindos e superadequados. Amei e recomendo a todos.

O filme conta a história de uma pequena trupe de circo que vive aos trancos e barrancos para manter a lona erguida. Os proprietários do lugar, que se chama Esperança, são Valdemar (interpretado por Paulo José) e Benjamin (interpretado por Selton Mello) que também são os palhaços da trupe.

Os demais artistas do circo são pessoas, a primeira vista, caricatas. Tem a gorda, o anão, o negro forte e alto, o magrelo, o casal de acrobatas esquisitos, a dupla de músicos com caráter duvidoso etc, mas com o desenrolar do filme esses estereótipos são quebrados, pois quando menos se espera nos encantamos, choramos, torcemos e nos emocionamos com eles. Naquele pequeno período em que estamos na sala de cinema nos tornamos parte da trupe Esperança. O efeito é mágico.

Todos esses personagens têm participação efetiva no filme, mas o enfoque principal é no personagem Benjamin, que cuida dos problemas administrativos do circo, mas o faz com bastante cansaço, sem expectativas com o futuro.

Sua principal frustração é fazer dar risada, mas não ter ninguém para fazê-lo sorrir. Na verdade Benjamin é um personagem que não sabe o que o motiva a viver, não sabe o que é e para o que é na vida. Todo esse drama particular faz com que Benjamin tenha como objeto valor um ventilador, que pode ser interpretado como uma metáfora do querer saber quem ele é, querer saber ser feliz, afinal.

Em dado momento, ele ouve de seu pai esta frase:

"Na vida a gente tem que fazer o que sabe fazer, o gato bebe leite, o rato come queijo e eu sou palhaço. E você?”


O gato bebe leite, o rato come queijo e Benjamin, será que é palhaço? 

Vale a pena assistir para descobrir. Recomendo.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Um ser sendo plateia



Quando eu era criança sempre achei que queria ser artista, não querendo me achar a garota prodígio (não sou e não fui) mas o fato é que eu amava tudo o que grande parte das crianças na minha idade nem ligava, como por exemplo, cantoras e cantores da MPB com aqueles vozeirões, estrelas do rock como Queen, Pink Floyd e Raul Seixas, musicais como “A Noviça Rebelde” etc, eu ficava compenetrada e encantada com letras de músicas e escrevia no meu diário poemas, desabafos e sonhos, tudo num tom pessismista (ah esse sentimento me persegue). 

A infância passou, e no colegial meu pai me propôs fazer teatro no Ribeirão Em Cena, eu fui, entrei em contato com vários textos, amava as aulas, e na época presenciei a luta do pessoal de lá para manter o lugar aberto e o salário dos professores em dia, então eu frequentava as reuniões de debates com a minha mãe, só que na hora que ia começar a parte prática de atuação eu travei de medo e vergonha, ou seja, bye bye teatro.

Essa fase passou, entrei para a faculdade de Letras e lá conheci a Marilisa, nela identifiquei logo uma amiga, descobrimos gostos parecidos e nossas epifanias eram na mesma intensidade. Eu e a Marilisa começamos a frequentar peças, shows, teatro e palestras, e num desses nossos passeios descobrimos “A Ópera do Malandro” do teatro Minaz, ficamos encantadas, começamos a ir em todos os espetáculos de lá, e ainda descobrimos que eles aceitavam crianças para o coro, arrastamos nossas irmãs para cantar lá, depois minha mãe foi que se contaminou e entrou no coral da AORP, que faz parte do Minaz. 

Com a entrada da minha mãe na AORP ela tentou convencer eu e a Marilisa a entrarmos também, fiquei tentada, a Marilisa não, sempre teve a convicção de ser plateia, eu queria, eu fui, fiz o teste, passei e apresentei algumas coisas, aí ensaiamos para nos apresentarmos no Theatro Pedro II, foi minha primeira vez nesse palco, e tenho que confessar que para mim não foi mágico como pensei que seria, como todos os artistas diziam que era, não fiquei nervosa, pelo contrário, eu olhava os rostos das pessoas na plateia e pensava como eu queria estar ali com elas, assistindo, esperando para ver o próximo coral. Amo cantar, foi uma experiência ótima, mas depois disso me desliguei do coral, voltei ao meu status de plateia.

Essa fase também passou, e minha constatação foi a de que meu lugar não é nos palcos cantando ou encenando, esse dom não me pertence, e foi tão bom ter feito parte disso, pois ter o reconhecimento da minha posição epifânica de plateia, que é tão intensa, me motivou a ser e a escrever.

Olá, sou Marcela Oliveira, formada em Letras e atualmente estou me especializando em Linguagens Midiáticas. Meu ser é movido por epifanias. As manifestações artísticas me comovem.

Beijo.

De Um Ser Sendo.