retirada do blog: http://www.oex-magico.blogspot.com.br/
Buenas pessoal...
Tenho que confessar que o ano de
2012 foi um tanto quanto estranho, ano de ausência do meu cantinho, claro que
eu tive muitas realizações materiais, conquistas pessoais, mas e a magia, mas e
a minha tão almejada epifania? Não sei o que houve e ponto. Hoje volto por aqui
com o sentimento de Ex-mágico da Taberna Minhota, ultimamente tenho acordado
ex-mágico... Enfim, não vou me estender neste fala que eu te escuto, pretendo
ser breve, e com essa pretensão deixo vocês com o conto do Murilo Rubião, que
descreve esse sentimento muito melhor do palavras ao vento...
PS: Eu amo este conto!
O
ex-mágico da Taberna Minhota
Murilo
Rubião
Inclina, Senhor, o teu ouvido, e
ouve-me;
porque eu sou desvalido e pobre.
(Salmos. LXXXV, I)
Hoje sou funcionário público e este não
é o meu desconsolo maior.
Na verdade, eu não estava preparado
para o sofrimento. Todo homem, ao atingir certa idade, pode perfeitamente
enfrentar a avalanche do tédio e da amargura, pois desde a meninice
acostumou-se às vicissitudes, através de um processo lento e gradativo de
dissabores.
Tal não aconteceu comigo. Fui atirado à
vida sem pais, infância ou juventude.
Um dia dei com os meus cabelos
ligeiramente grisalhos, no espelho da Taberna Minhota. A descoberta não me
espantou e tampouco me surpreendi ao retirar do bolso o dono do restaurante.
Ele sim, perplexo, me perguntou como podia ter feito aquilo.
O que poderia responder, nessa
situação, uma pessoa que não encontrava a menor explicação para sua presença no
mundo? Disse-lhe que estava cansado. Nascera cansado e entediado.
Sem meditar na resposta, ou fazer
outras perguntas, ofereceu-me emprego e passei daquele momento em diante a
divertir a freguesia da casa com os meus passes mágicos.
O homem, entretanto, não gostou da
minha prática de oferecer aos espectadores almoços gratuitos, que eu extraía
misteriosamente de dentro do paletó. Considerando não ser dos melhores negócios
aumentar o número de fregueses sem o conseqüente acréscimo nos lucros,
apresentou-me ao empresário do Circo-Parque Andaluz, que, posto a par das
minhas habilidades, propôs contratar-me. Antes, porém, aconselhou-o que se
prevenisse contra os meus truques, pois ninguém estranharia se me ocorresse a
idéia de distribuir ingressos graciosos para os espetáculos.
Contrariando as previsões pessimistas
do primeiro patrão, o meu comportamento foi exemplar. As minhas apresentações
em público não só empolgaram multidões como deram fabulosos lucros aos donos da
companhia.
A platéia, em geral, me recebia com
frieza, talvez por não me exibir de casaca e cartola. Mas quando, sem querer,
começava a extrair do chapéu coelhos, cobras, lagartos, os assistentes
vibravam. Sobretudo no último número, em que eu fazia surgir, por entre os
dedos, um jacaré. Em seguida, comprimindo o animal pelas extremidades,
transformava-o numa sanfona. E encerrava o espetáculo tocando o Hino Nacional
da Cochinchina. Os aplausos estrugiam de todos os lados, sob o meu olhar
distante.
O gerente do circo, a me espreitar de
longe, danava-se com a minha indiferença pelas palmas da assistência.
Notadamente se elas partiam das criancinhas que me iam aplaudir nas matinês de
domingo. Por que me emocionar, se não me causavam pena aqueles rostos
inocentes, destinados a passar pelos sofrimentos que acompanham o
amadurecimento do homem? Muito menos me ocorria odiá-las por terem tudo que
ambicionei e não tive: um nascimento e um passado.
Com o crescimento da popularidade a
minha vida tornou-se insuportável.
Às vezes, sentado em algum café, a
olhar cismativamente o povo desfilando na calçada, arrancava do bolso pombos,
gaivotas, maritacas. As pessoas que se encontravam nas imediações, julgando
intencional o meu gesto, rompiam em estridentes gargalhadas. Eu olhava
melancólico para o chão e resmungava contra o mundo e os pássaros.
Se, distraído, abria as mãos, delas
escorregavam esquisitos objetos. A ponto de me surpreender, certa vez, puxando
da manga da camisa uma figura, depois outra. Por fim, estava rodeado de figuras
estranhas, sem saber que destino lhes dar.
Nada fazia. Olhava para os lados e
implorava com os olhos por um socorro que não poderia vir de parte alguma.
Situação cruciante.
Quase sempre, ao tirar o lenço para
assoar o nariz, provocava o assombro dos que estavam próximos, sacando um
lençol do bolso. Se mexia na gola do paletó, logo aparecia um urubu. Em outras
ocasiões, indo amarrar o cordão do sapato, das minhas calças deslizavam cobras.
Mulheres e crianças gritavam. Vinham guardas, ajuntavam-se curiosos, um
escândalo. Tinha de comparecer à delegacia e ouvir pacientemente da autoridade
policial ser proibido soltar serpentes nas vias públicas.
Não protestava. Tímido e humilde
mencionava a minha condição de mágico, reafirmando o propósito de não molestar
ninguém.
Também, à noite, em meio a um sono
tranqüilo, costumava acordar sobressaltado: era um pássaro ruidoso que batera
as asas ao sair do meu ouvido.
Numa dessas vezes, irritado, disposto a
nunca mais fazer mágicas, mutilei as mãos. Não adiantou. Ao primeiro movimento
que fiz, elas reapareceram novas e perfeitas nas pontas dos tocos de braço.
Acontecimento de desesperar qualquer pessoa, principalmente um mágico
enfastiado do ofício.
Urgia encontrar solução para o meu
desespero. Pensando bem, concluí que somente a morte poria termo ao meu
desconsolo.
Firme no propósito, tirei dos bolsos
uma dúzia de leões e, cruzando os braços, aguardei o momento em que seria
devorado por eles. Nenhum mal me fizeram. Rodearam-me, farejaram minhas roupas,
olharam a paisagem, e se foram.
Na manhã seguinte regressaram e se
puseram, acintosos, diante de mim.
— O que desejam, estúpidos animais?! —
gritei, indignado.
Sacudiram com tristeza as jubas e
imploraram-me que os fizesse desaparecer:
— Este mundo é tremendamente tedioso —
concluíram.
Não consegui refrear a raiva. Matei-os
todos e me pus a devorá-los. Esperava morrer, vítima de fatal indigestão.
Sofrimento dos sofrimentos! Tive imensa
dor de barriga e continuei a viver.
O fracasso da tentativa multiplicou
minha frustração. Afastei-me da zona urbana e busquei a serra. Ao alcançar seu
ponto mais alto, que dominava escuro abismo, abandonei o corpo ao espaço.
Senti apenas uma leve sensação da
vizinhança da morte: logo me vi amparado por um pára-quedas. Com dificuldade,
machucando-me nas pedras, sujo e estropiado, consegui regressar à cidade, onde
a minha primeira providência foi adquirir uma pistola.
Em casa, estendido na cama, levei a
arma ao ouvido. Puxei o gatilho, à espera do estampido, a dor da bala
penetrando na minha cabeça.
Não veio o disparo nem a morte: a
máuser se transformara num lápis.
Rolei até o chão, soluçando. Eu, que
podia criar outros seres, não encontrava meios de libertar-me da existência.
Uma frase que escutara por acaso, na
rua, trouxe-me nova esperança de romper em definitivo com a vida. Ouvira de um
homem triste que ser funcionário público era suicidar-se aos poucos.
Não me encontrava em condições de
determinar qual a forma de suicídio que melhor me convinha: se lenta ou rápida.
Por isso empreguei-me numa Secretaria de Estado.
1930, ano amargo. Foi mais longo que os
posteriores à primeira manifestação que tive da minha existência, ante o
espelho da Taberna Minhota.
Não morri, conforme esperava. Maiores
foram as minhas aflições, maior o meu desconsolo.
Quando era mágico, pouco lidava com os
homens - o palco me distanciava deles. Agora, obrigado a constante contato com
meus semelhantes, necessitava compreendê-los, disfarçar a náusea que me causavam.
O pior é que, sendo diminuto meu
serviço, via -me na contingência de permanecer à toa horas a fio. E o ócio
levou-me à revolta contra a falta de um passado. Por que somente eu, entre
todos os que viviam sob os meus olhos, não tinha alguma coisa para recordar? Os
meus dias flutuavam confusos, mesclados com pobres recordações, pequeno saldo
de três anos de vida.
O amor que me veio por uma funcionária,
vizinha de mesa de trabalho, distraiu-me um pouco das minhas inquietações.
Distração momentânea. Cedo retornou o
desassossego, debatia-me em incertezas. Como me declarar à minha colega? Se
nunca fizera uma declaração de amor e não tivera sequer uma experiência
sentimental!
1931 entrou triste, com ameaças de
demissões coletivas na Secretaria e a recusa da datilógrafa em me aceitar. Ante
o risco de ser demitido, procurei acautelar meus interesses. (Não me importava
o emprego. Somente temia ficar longe da mulher que me rejeitara, mas cuja
presença me era agora indispensável.)
Fui ao chefe da seção e lhe declarei
que não podia ser dispensado, pois, tendo dez anos de casa, adquirira
estabilidade no cargo.
Fitou-me por algum tempo em silêncio.
Depois, fechando a cara, disse que estava atônito com meu cinismo. Jamais
poderia esperar de alguém, com um ano de trabalho, ter a ousadia de afirmar que
tinha dez.
Para lhe provar não ser leviana a minha
atitude, procurei nos bolsos os documentos que comprovavam a lisura do meu
procedimento. Estupefato, deles retirei apenas um papel amarrotado — fragmento
de um poema inspirado nos seios da datilógrafa.
Revolvi, ansioso, todos os bolsos e
nada encontrei.
Tive que confessar minha derrota.
Confiara demais na faculdade de fazer mágicas e ela fora anulada pela
burocracia.
Hoje, sem os antigos e miraculosos dons
de mago, não consigo abandonar a pior das ocupações humanas. Falta-me o amor da
companheira de trabalho, a presença de amigos, o que me obriga a andar por
lugares solitários. Sou visto muitas vezes procurando retirar com os dedos, do
interior da roupa, qualquer coisa que ninguém enxerga, por mais que atente a
vista.
Pensam que estou louco, principalmente
quando atiro ao ar essas pequeninas coisas.
Tenho a impressão de que é uma
andorinha a se desvencilhar das minhas mãos. Suspiro alto e fundo.
Não me conforta a ilusão. Serve somente
para aumentar o arrependimento de não ter criado todo um mundo mágico.
Por instantes, imagino como seria
maravilhoso arrancar do corpo lenços vermelhos, azuis, brancos, verdes. Encher
a noite com fogos de artifício. Erguer o rosto para o céu e deixar que pelos
meus lábios saísse o arco-íris. Um arco-íris que cobrisse a Terra de um extremo
a outro. E os aplausos dos homens de cabelos brancos, das meigas criancinhas.
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