sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Caio Fernando Abreu


Hoje, 25/2/2011, é aniversário da morte de Caio Fernando Abreu.


São 15 anos sem esse escritor que eu só vim a conhecer no fim do 2° ano da faculdade. Foi por acaso, lendo um livro de contos com escritores variados.


Eu me encante, vibrei, procurei outros contos, cartas, fragmentos, crônicas, tudo me veio como uma cartase, forte. Noutro dia cheguei na faculdade parecendo uma doida atrás da Marilisa para mostrar tudo que havia encontrado (porque epifania não compartilhada não tem graça).


Enfim, depois da descoberta vem admiração, reconhecimento, e eu não podia deixar de homenageá-lo aqui no meu cantinho.

Segue um dos muitos textos de C.F.A, este é o primeiro conto do livro Morangos Mofados, para quem conhece sabe que vale a pena, para quem não conhece, apresento-lhes, com prazer, Caio Fernando Abreu:



OS SOBREVIVENTES (Para ler ao som de Ângela Ro-Ro)



Para Jane Araújo, a Magra


Sri Lanka, quem sabe? ela me pergunta, morena e ferina, e eu respondo por que não? mas inabalável ela continua: você pode pelo menos mandar cartões-postais de lá, para que as pessoas pensem nossa, como é que ele foi parar em Sri Lanka, que cara louco esse, hein, e morram de saudade, não é isso que te importa? Uma certa saudade, e você em Sri Lanka, bancando o Rimbaud, que nem foi tão longe, para que todos lamentem ai como ele era bonzinho e nós não lhe demos a dose suficiente de atenção para que ficasse aqui entre nós, palmeiras & abacaxis. Sem parar, abana-se com a capa do disco de Ângela enquanto fuma sem parar e bebe sem parar sua vodca nacional sem gelo nem limão. Quanto a mim, a voz tão rouca, fico por aqui mesmo comparecendo a atos públicos, pichando muros contra usinas nucleares, em plena ressaca, um dia de monja, um dia de puta, um dia de Joplin, um dia de Teresa de Calcutá, um dia de merda enquanto seguro aquele maldito emprego de oito horas diárias para poder pagar essa poltrona de couro autêntico onde neste exato momento vossa reverendíssima assenta sua preciosa bunda e essa exótica mesinha-de-centro em junco indiano que apóia nossos fatigados pés descalços ao fim de mais outra semana de batalhas inúteis, fantasias escapistas, maus orgasmos e crediários atrasados. Mas tentamos tudo, eu digo, e ela diz que sim, claaaaaaaro, tentamos tudo, inclusive trept, porque tantos livros emprestados, tantos filmes vistos juntos, tantos pontos de vista sociopolíticos existenciais e bababá em comum só podiam era dar mesmo nisso: cama. Realmente tentamos, mas foi uma bosta Que foi que aconteceu, que foi meu deus que aconteceu, eu pensava depois acendendo um cigarro no outro e não queria lembrar, mas não me saía da cabeça o teu pau murcho e os bicos dos meus seios que nem sequer ficaram duros, pela primeira vez na vida, você disse, e eu acreditei, pela primeira vez na vida, eu disse, e não sei se você acreditou. Eu quero dizer que sim, que acreditei, mas ela não pára, tanto tesão mental espiritual moral existencial e nenhum físico, eu não queria aceitar que fosse isso: éramos diferentes, éramos melhores, éramos superiores, éramos escolhidos, éramos mais, éramos vagamente sagrados, mas no final das contas os bicos dos meus peitos não endureceram e o teu pau não levantou. Cultura demais mata o corpo da gente, cara, filmes demais, livros demais, palavras demais, só consegui te possuir me masturbando, tinha biblioteca de Alexandria separando nossos corpos, eu enfiava fundo o dedo na boceta noite após noite e pedia mete fundo, coração, explode junto comigo, me fode, depois virava de bruços e chorava no travesseiro, naquele tempo ainda tinha culpa nojo vergonha, mas agora tudo bem, o Relatório Hite liberou a punheta. Não que fosse amor de menos, você dizia depois, ao contrário, era amor demais, você acreditava mesmo nisso? naquele bar infecto onde costumávamos afogar nossas impotências em baldes de lirismo juvenil, imbecil, e eu disse não, meu bem, o que acontece é que como bons-intelectuais-pequeno-burgueses o teu negócio é homem e o meu é mulher, podíamos até formar um casal incrível, tipo aquela amante de Virginia Woolf, como era mesmo o nome da fanchona? Vita, isso, Vita Sackville-West e o veado do marido dela, ra não se erice, queridinho, não tenho nada contra veados não, me passa a vodca, o quê? e eu lá tenho grana para comprar wyborowas? não, não tenho nada contra lésbicas, não tenho nada contra decadentes em geral não tenho nada contra qualquer coisa que soe a uma tentativa. Eu peço um cigarro e ela me atira o maço na cara como quem joga um tijolo, ando angustiada demais, meu amigo, palavrinha antiga essa, a velha angst, saco, mas ando, ando, mais de duas décadas de convívio cotidiano, tenho uma coisa apertada aqui no meu peito, um sufoco, uma sede, um peso, ah não me venha com essas histórias de atraiçoamos-todos-os-nossos-ideais, eu nunca tive porra de ideal nenhum, eu só queria era salvar a minha, veja só que coisa mais individualista elitista capitalista, eu só queria era ser feliz, cara, gorda, burra, alienada e completamente feliz. Podia ter dado certo entre a gente, ou não, eu nem sei o que é dar certo, mas naquele tempo você ainda não tinha se decidido a dar o rabo nem eu a lamber boceta, ai que gracinha nossos livrinhos de Marx, depois Marcuse, depois Reich, depois Castafieda, depois Laing embaixo do braço, aqueles sonhos tolos colonizados nas cabecinhas idiotas, bolsas na Sorbonne, chás com Simone e Jean-Paul nos 50 em Paris, 60 em Londres ouvindo here comes the sun here comes the sun little darling, 70 em Nova York dançando disco-music no Studio 54,80 a gente aqui mastigando esta coisa porca sem conseguir engolir nem cuspir fora nem esquecer esse azedo na boca. Já li tudo, cara, já tentei macrobiótica psicanálise drogas acupuntura suicídio ioga dança natação cooper astrologia patins marxismo candomblé boate gay ecologia, sobrou só esse nó no peito, agora faço o quê? não é plágio do Pessoa não, mas em cada canto do meu quarto tenho uma imagem de Buda, uma de mãe Oxum, outra de Jesusinho, um pôster de Freud, às vezes acendo vela, faço reza, queimo incenso, tomo banho de arruda, jogo sal grosso nos cantos, não te peço solução nenhuma, você vai curtir os seus nativos em Sri Lanka depois me manda um cartão-postal contando qualquer coisa como ontem à noite, na beira do rio, deve haver uma porra de rio por lá, um rio lodoso, cheio de juncos sombrios, mas ontem na beira do rio, sem planejar nada, de repente, sabe, por acaso, encontrei um rapaz de tez azeitonada e olhos oblíquos que. Hein? claro que deve haver alguma espécie de dignidade nisso tudo, a questão é onde, não nesta cidade escura, não neste planeta podre e pobre, dentro de mim? ora não me venhas com autoconhecimentos-redentores, já sei tudo de mim, tomei mais de cinqüenta ácidos, fiz seis anos de análise, já pirei de cl ín k., lembra? você me levava maçãs argentinas e fotonovelas italianas, Rossana Galli, Franco Andrei, Michela Roc, Sandro Moretti, eu te olhava entupida de mandrix e babava soluçando perdi minha alegria, anoiteci, roubaram minha esperança, enquanto você, solidário & positivo, apertava meu ombro com sua mão apesar de tudo viril repetindo reage, companheira, reage, a causa precisa dessa tua cabecinha privilegiada, teu potencial criativo, tua lucidez libertária e bababá bababá. As pessoas se transformavam em cadáveres decompostos à minha frente, minha pele era triste e suja, as noites não terminavam nunca, ninguém me tocava, mas eu reagi, despirei, voltei a isso que dizem que é o normal, e cadê a causa, meu, cadê a luta, cadê o po-ten-ci-al criativo? Mato, não mato, atordôo minha sede com sapatinhas do Ferro’s Bar ou encho a cara sozinha aos sábados esperando o telefone tocar, e nunca toca, neste apartamento que pago com o suor do po-ten-ci-al criativo da bunda que dou oito horas diárias para aquela multinacional fodida. Mas, eu quero dizer, e ela me corta mansa, claro que você não tem culpa, coração, caímos exatamente na mesma ratoeira, a única diferença é que você pensa que pode escapar, e eu quero chafurdar na dor deste ferro enfiado fundo na minha garganta seca que só umedece com vodca, me passa o cigarro, não, não estou desesperada, não mais do que sempre estive, nothing special, baby, não estou louca nem bêbada, estou é lúcida pra caralho e sei claramente que não tenho nenhuma saída, ah não se preocupe, meu bem, depois que você sair tomo banho frio, leite quente com mel de eucalipto, gin-seng e lexotan, depois deito, depois durmo, depois acordo e passo uma semana a banchá e arroz integral, absolutamente santa, absolutamente pura, absolutamente limpa, depois tomo outro porre, cheiro cinco gramas, bato o carro numa esquina ou ligo para o cvv às quatro da madrugada e alugo a cabeça dum panaca qualquer choramingando coisas tipo preciso-tanto-uma-razão-para-viver-e-sei-que-essa-razão-só-está-dentro-de-mim-bababá-bababá e me lamurio até o sol pintar atrás daqueles edifícios sinistros, mas não se preocupe, não vou tomar nenhuma medida drástica, a não ser continuar, tem coisa mais autodestrutiva do que insistir sem fé nenhuma? Ah, passa devagar a tua mão na minha cabeça, toca meu coração com teus dedos frios, eu tive tanto amor um dia, ela pára e pede, preciso tanto tanto tanto, cara, eles não me permitiram ser a coisa boa que eu era, eu então estendo o braço e ela fica subitamente pequenina apertada contra meu peito, perguntando se está mesmo muito feia e meio puta e velha demais e completamente bêbada, eu não tinha estas marcas em volta dos olhos, eu não tinha estes vincos em torno da boca, eu não tinha este jeito de sapatão cansado, e eu repito que não, que nada, que ela está linda assim, desgrenhada e viva, ela pede que eu coloque uma música e escolho ao acaso o Noturno número dois em mi bemol de Chopin, eu quero deixá-la assim, dormindo no escuro sobre este sofá amarelo, ao lado das papoulas quase murchas, embalada pelo piano remoto como uma canção de ninar, mas ela se contrai violenta e pede que eu ponha Ângela outra vez, e eu viro o disco, amor meu grande amor, caminhamos tontos até o banheiro onde sustento sua cabeça para que vomite, e sem querer vomito junto, ao mesmo tempo, os dois abraçados, fragmentos azedos sobre as línguas misturadas, mas ela puxa a descarga e vai me empurrando para a sala, para a porta, pedindo que me vá, e me expulsa para o corredor repetindo não se esqueça então de me mandar aquele cartão de Sri Lanka, aquele rio lodoso, aquela tez azeitonada, que aconteça alguma coisa bem bonita com você, ela diz, te desejo uma fé enorme, em qualquer coisa, não importa o quê, como aquela fé que a gente teve um dia, me deseja também uma coisa bem bonita, uma coisa qualquer maravilhosa, que me faça acreditar em tudo de novo, que nos faça acreditar em tudo outra vez, que leve para longe da minha boca este gosto podre de fracasso, este travo de derrota sem nobreza, não tem jeito, companheiro, nos perdemos no meio da estrada e nunca tivemos mapa algum, ninguém dá mais carona e a noite já vem chegando. A chave gira na porta. Preciso me apoiar contra a parede para não cair. Por trás da madeira, misturada ao piano e à voz rouca de Ângela, nem que eu rastejasse até o Leblon, consigo ouvi-la repetindo e repetindo que tudo vai bem, tudo continua bem, tudo muito bem, tudo bem. Axé, axé, axé! eu digo e insisto até que o elevador chegue axé, axé, axé, odara!



segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Habitar o tempo - João Cabral de Melo Neto

Buenas personas que visitam meu blog.
Ando sumida, com falta de criatividade e com muita preguiça de desenvolver meus pensamentos loucos, absurdos.
Espero que com a volta breve à faculdade tudo isso mude, preciso me alimentar de ideias novas, teorias, epifanias constantes. Estou contando com esse retorno para que minha fase sem criatividade acabe. Amém.
Bom, por essa a razão hoje eu publico um momento epifânico João Cabral de Melo Neto, pois há alguns dias eu estava xoxa, tristinha, aí a Mary me trouxe um livro dele e pediu para eu ler o poema Habitar o tempo. Mudou minha vida naquela momento. A beleza da literatura e todas as formas de arte tem esse poder sobre mim. Amo. Isso é tudo que sei.

-------------------------------------------------------------------------------------------------

Habitar o tempo

(João Cabral de Melo Neto)

Habitar o tempo
Para não matar seu tempo, imaginou:
vivê-lo enquanto ele ocorre, ao vivo;
no instante finíssimo em que ocorre,
em ponta de agulha e porém acessível;
viver seu tempo: para o que ir viver
num deserto literal ou de alpendres;
em ermos, que não distraiam de viver
a agulha de um só instante, plenamente.
Plenamente: vivendo-o de dentro dele;
habitá-lo, na agulha de cada instante,
em cada agulha instante: e habitar nele
tudo o que habitar cede ao habitante.

E de volta de ir habitar seu tempo:
ele corre vazio, o tal tempo ao vivo;
e como além de vazio, transparente,
o instante a habitar passa invisível.

Portanto: para não matá-lo, matá-lo;
matar o tempo, enchendo-o de coisas;
em vez do deserto, ir viver nas ruas
onde o enchem e o matam as pessoas;
pois como o tempo ocorre transparente
e só ganha corpo e cor com seu miolo
(o que não passou do que lhe passou),
para habitá-lo: só no passado, morto.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

O oba oba das compras coletivas e o meu azar

Volto ao meu cantinho, como de costume das últimas postagens, para um momento fala que eu te escuto compras coletivas.

Está um oba oba isso de comprar com descontos mirabolantes né?

O pessoal das redes sociais divulgando peixe daquilo, grupo daquilo outro, enfim, um carnaval...
E é claro que eu não fiquei de fora dessa, cadastrei meu e-mail em todos os sites de compras coletivas disponíveis, a partir disso começou um vendaval de promoções tentadoras chegando todos os dias, enfim, um oba oba generalizado.

Além de me cadastrar eu também aderi a duas compras para dar de presente, um para minha irmã e outro para minha sobrinha. Minha irmã gostou na hora que eu a presenteei, mas reclamou da falta de horários. Achei de boa, como diz aquele velho ditado: “Pimenta nos olhos dos outros é refresco”. Para mim ainda foi um bom negócio, acertei em cheio no meu presente de natal (apesar dela ter conseguido horário só em fevereiro). E eu, ao invés de ficar esperta com esse magnânimo exemplo, fui lá e cai de cabeça nessa por causa de uma super promoção de escova progressiva vip e tratamento midore que me deixou enlouquecida. Prazo: “09.02.2011 até 10.08.2011”. Tudo bem, achei que se eu ligasse no primeiro dia do prazo, sem falta, conseguiria pelo menos para março o atendimento. Tentei ligar no bendito salão no dia 9/2 o dia todo e nada, nisso já pensei (pois além de niilista e dramática eu também sou pessimista):
- Pronto me f&¨%$&.

Mas nada como um dia após o outro para ver a cagada completa.

No dia 10/2 eu tentei falar novamente, consegui depois de tentar muito. Juro.

Uma mulher me atendeu com a voz rouca, parecendo que não saiu do telefone o dia todo. Eu prontamente expliquei que comprei a escova através do Groupon e que quero marcar o dia que for possível, contando que seja sábado e no mais tardar no fim de março ou começo de abril. Ela rapidamente respondeu:

- Estamos lotados, sábado temos horário só em junho.

Quando ela me disse isso eu quase cai da cadeira e disse:

- Como assim? E durante a semana? Algum horário antes de junho? (usei uma entonação desesperada nesse momento)

E ela me respondeu:

- Durante a semana temos em 17/5.

Não tendo outra escolha eu concordei, claro que com um suspiro de lamentação. Na hora que eu estava passando meu telefone para contato caiu a ligação – Não é possível, pensei.

Eu, com muita paciência, liguei novamente para saber se a senhora marcou corretamente meu agendamento, e para meu espanto uma criança atendeu e lá vou eu explicar o que houve. Ela disse para eu esperar – Sim, espero.

Para meu espanto n° 1512, quando a menina foi perguntar para a senhora se meu agendamento estava marcado eu escutei o seguinte:

- Se ela marcou, está marcado. (com entonação brava)

Para finalizar aquela finíssima conversa eu elegantemente digo um solene obrigada...

... Mas no pensamento: %$&((&$¨*IY%*&¨$#$@%Y

Parafraseando outro ditado: É errando que se aprende. No mesmo dia soube de uma amiga que comprou pizza e ficou a ver navios também. É, não fui a única a passar raiva.

Sinceramente, de agora em diante vou dar preferência em pagar o valor redondo de um objeto valor, darei preferência ao bom atendimento, ao conforto de marcar quando eu quiser usar ou comer alguma coisa etc. Para mim esse negócio de comprar tudo junto é fria, foi fria.
Nevermore.

Pronto Falei.